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10 de out. de 2011

A inflação que a TV Globo enfia todos os dias na sua cabeça

A INFLAÇÃO QUE INTERESSA À TV GLOBO

O escritor e crítico literário francês Roland Barthes (1915-1980) disse alhures que a língua é fascista porque nos diz o que devemos ser, se quisermos comunicar com os demais. A língua é fascista porque, através dela, somos obrigados a nos apresentar para o mundo ora como seres masculinos, ora como femininos; ora como pobres, ora como ricos, jovens, adultos, crianças, brasileiros, americanos, iraquianos.

Existe, assim, um paralelismo entre a jurisprudência e a língua, pois ambas nos fazem ir, de forma imperativa, aonde a fascista ordem imposta do mundo diz que podemos ou devemos ir. Sob o ponto de vista da jurisprudência, ir além do legalmente – ou habitualmente – estipulado ou é considerado crime ou loucura ou prepotência ou idiotice ou ignorância. Sob o ponto de vista da língua, existe, por sua vez, uma ordem – morfológica, sintática, semântica e pragmática – dentro da qual temos que nos inscrever, se quisermos falar, de fato e de ato, uma dada língua.

A língua, finalmente, é fascista porque nos inscreve numa ordem: a ordem do mundo, fascista porque é a da opressão de classe, de gênero, étnica, cognitiva; porque é a ordem da fome, do privilégio, do abandono, do luxo, da miséria, dos preconceitos, da exploração, humilhação; da guerra. É , pois, fascista porque, quando nos interagimos, através da linguagem, a fascista ordem desordem do mundo é a mesma que incorporamos, quando falamos, quando ouvimos, quando escrevemos, lemos, sonhamos, imaginamos, pensamos, desejamos.


Duas coordenadas simultâneas
 
Na filosofia de Gilles Deleuze e Guattari, o fascismo da língua tem uma expressão que o nomeia: palavra de ordem. A língua, sob esse ponto de vista, é fascista porque existe uma palavra de referência no coração de toda palavra; uma palavra que ordena, comanda, obriga, ameaça, induz, chantageia e impõe uma sentença de morte: faça, não faça; seja não seja; tenha não tenha; queira, não queria; imponha, não imponha; mate, não mate. Para Deleuze e Guattari, o principal objetivo da língua é a transmissão da palavra de ordem. Sob essa ótica, a informação, a comunicação, a sedução, os sentimentos, a poesia, enfim, tudo que geralmente pensamos ser uma função possível, da e na linguagem, nada mais é que uma isca cujo anzol é a palavra de ordem, pronta a nos fisgar e a nos arrematar à impostora e imposta ordem do mundo.

Diferentemente que possamos imaginar, portanto, a palavra de ordem não é apenas rígida, inflexível, estanque, partidária, explícita e diretamente invocativa, como ocorre no campo político com as frases de efeito do tipo “Abaixo a corrupção” e outras que tais. A palavra de ordem é flexível e intensamente variável: varia conforme o espaço, o tempo, as circunstâncias de interação linguística, o perfil dos falantes, de tal sorte que se torna tanto mais eficaz, em seu ordenamento, quanto mais nos deixamos levar ou nos sentimos livres, nesse ou naquele contexto discursivo.


Os meios de comunicação de massa, sob o controle da oligarquia planetária, são o suporte tecnológico mundial da transmissão de palavras de ordem da pós-modernidade neoliberal; do capitalismo de cassino e o fazem segundo duas fascistas coordenadas simultâneas, porque se retroalimentam, a saber:

1. A coordenada da oligarquia americana-sionista, pois os meios de comunicação dominantes são o suporte de transmissão das palavras de ordem do centro da dominância do capitalismo pós-moderno, apresentando-a, tal dominância, como a ordem de referência para o mundo;

2. A coordenada das oligarquias regionais, nacionais e locais.


 
Suportes de transfusão das palavras de ordem

Tais oligarquias estão tomadas pelas palavras de ordem do centro do imperialismo e as retransmite para o entorno de seu domínio fronteiriço com uma subserviência que não é de modo algum passiva, porque a variabilidade mutante das palavras de ordem produz uma doce ilusão de que elas são de autoria própria, de modo que tais oligarquias tendem a não compreender os seus respectivos papeis secundários na transmissão das palavras de ordem dominantes, razão pela qual muito frequentemente são arrastadas por crises diversas, como ocorre com a oligarquia europeia, a qual não consegue produzir alternativas responsáveis para a atual crise das dívidas da maior parte dos países europeus, porque acredita que as neoliberais palavras de ordem que realiza – desemprego, domínio da especulação financeira, cortes de salários, impostos regressivos, redução de gastos sociais – são de autoria própria, quimera que tende a torná-la cega e impotente para a superação das adversidades que o domínio de Wall Street impõe sobre o conjunto dos países da União Europeia.

No Brasil, as Organizações Globo constituem o principal conglomerado de comunicação que mais eficientemente cumpre o papel de constituir-se como caixa de ressonância das palavras de ordem da dominação estadunidense do mundo, dotando-as de extrema variabilidade para que se inscrevam como palavras de ordem da oligarquia nacional, tal que o que pensamos ser próprio da elite brasileira não passa de redundância ventríloqua das palavras de ordem da americana maquinaria de guerra.

Em termos de partidos políticos, a oligarquia ventríloqua brasileira tem nome próprio.

Eis os principais: PSDB, DEM e o atual PDB, Partido da Democracia Brasileira, cujo dono é o atual prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

São partidos colados até o intestino nas palavras de ordem da oligarquia americana e possuem – não nos enganemos – relativa autonomia local para se apresentarem como “originais” retransmissores da dominação americana, principalmente porque têm o apoio integral das mídias oficiais, cujo objetivo dominante é o de serem suportes comunicativos de transfusão das palavras de ordem do domínio imperialista estadunidense, aplicando-as, com extrema variabilidade informativa e cultural, nas veias zumbíticas de nosso colonizado cotidiano, para que assim continue para todo o sempre e sempre.

A carestia da pesca

Como exemplo, observemos como a TV Globo – as Organizações Globo, bem entendido – está comprometida até o miolo em nos transmitir as últimas noticias sobre o risco do retorno da inflação no Brasil, principalmente depois que o governo federal, através do Banco Central, abaixou os juros e promete fazê-lo mais vezes.

É claro que a notícia sobre o aumento de preço nesse e naquele setor da economia é só uma isca para a consolidação da seguinte palavra de ordem: o estimulo ao retorno da inflação de fato, sob a crença de que, de tanto noticiar a respeito, os agentes econômicos serão tomados pela palavra de ordem inflacionária e, por consequência, aumentarão os preços, porque toda palavra de ordem existe para isto: para virar realidade concreta.

E quando as Organizações Globo resolvem instalar no cotidiano uma palavra de ordem, disfarçada de interesse público, ela o faz transformando-a em legião e, por isso mesmo, espalhando-a em sua programação nacional e local.

Aqui no estado, onde vivo, Espírito Santo, por exemplo, tive a oportunidade de verificar a transmutação da palavra de ordem inflacionária em realidade concreta com o barulho que o jornal da TV Gazeta, filiada à Globo – ES TV – fez em torno da carestia da pesca em mares capixabas, provocada, supostamente, pelo excesso de vento que tem dificultado o acesso ao mar.


Mortíferas balas noticiosas

Tive a oportunidade de verificar o preço do pescado no dia anterior e posterior à reportagem local do ES TV e constatar o aumento de todos os peixes – então mais caros que de costume - no dia seguinte à reportagem. Perguntei ao comerciante o motivo pelo qual os peixes tiveram um reajuste de um dia para o outro e ouvi a alegação de que os pescadores não estavam conseguindo pescar, com uma não circunstancial pergunta após a explicação do motivo do aumento: “Você não viu a notícia na TV?”

Como uma palavra de ordem ocorre ecoando outras, o estímulo que a TV Globo tem feito para contribuir com o retorno da inflação ecoa e serve a duas outras palavras de ordem: uma local, em termos de Brasil, que é a de procurar a todo custo inviabilizar o governo Dilma; e uma internacional, que é a de deixar o Brasil totalmente submetido às palavras de ordem dos Estados Unidos da América, através do retorno da inflação que interessa à rendida oligarquia brasileira: a inflação neoliberal instigada por um governo totalmente entregue às geoestratégicas palavras de ordem do imperialismo estadunidense, o qual, por sua vez, objetiva inflar a América Latina de si mesmo, através do retorno da Alca, Área de Livre Comércio das América e dos golpes de estado em países insubmissos latino-americanos, como Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, palavra de ordem – os golpes de estado – que a Globo e a direita global adorariam incorporar docilmente em suas consertadas agendas militares, colonizadas.

E não existe agenda mais letal que as militarizadas por imperialistas palavras de ordem, pois é a que mais bem (mais mal, bem entendido) faz valer o veredito de que em toda palavra de ordem habita uma sentença de morte, porque no fundo e no raso a palavra de ordem, qualquer uma, só é possível porque morremos; porque matamos.

É isto, a propósito, que a oligarquia midiática submetida deseja: decretar nossa sentença de morte, disparando-nos mortíferas, embora variáveis, balas noticiosas, noveleiras, publicitárias, esportivas; balas de programas de auditório; balas, enfim, estilizadas e enfeitadas por disfarçados apoios às comunidades, por dissimuladas preocupações ecológicas, por religiosas entrevistas a padres, assim como por científicas respostas médicas sobre a saúde de nossas muitas mortes.

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[Luís Eustáquio Soares é poeta, escritor, ensaísta e professor da Universidade Federal do Espírito Santo]

 

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