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2 de mai. de 2011

ISTO É ENTREVISTA JORGINA DE FREITAS, A FRAUDADORA DO INSS

Wilson Aquino /Foto: Masao Goto Filho

“Fui usada como bode expiatório”

Jorgina de Freitas levou quase um ano para marcar esta entrevista com ISTOÉ, que aconteceu no escritório do advogado Ricardo Horácio dos Santos, no Rio. Ela teme ser sequestrada e diz que não quer voltar a ter “imagem pública” . Por isso, só autorizou que se fotografasse metade de seu rosto. Magra, com vestido preto discreto, ela pintou os cabelos de vermelho e usa bijuterias. Elétrica, desconfiada, aceitou apenas um café, e surpreendeu pela demora em tomá-lo. “Gosto de café frio”, explicou.


A ENTREVISTA

ISTOÉ – A sra. roubou dinheiro dos velhinhos da Previdência?
Jorgina de Freitas – Fui julgada, condenada, cumpri minha pena e a Previdência Social, que arrecadou todos os meus bens, está vendendo os imóveis por preço vil. Só isso.

ISTOÉ – Os desvios não prejudicaram pensionistas e aposentados?
Jorgina – Nada disso. Era apenas com acidentes de trabalho.

ISTOÉ – Mas tem diferença?
Jorgina – Claro que tem. É um benefício à parte. As ações acidentárias são pagas com recursos das empresas. O acidente do trabalho tem uma receita diferenciada da receita de pensões de velhinhos, de aposentadorias, de quiquiquiqui... O que você contribui não vai para os acidentes. O que vai é o que incide em cima da empresa, de acordo com o risco do trabalhador. Na realidade quem deveria estar reclamando essas ações não é a Previdência, mas o empregador. As empresas é que deveriam figurar no polo passivo e não a Previdência, para fazer marketing em cima de mim, dizendo que eu roubei velhinho e quiquiquiqui...

ISTOÉ – A Previdência garante que seus 60 imóveis irão a leilão este ano. A sra. está tentando evitar isso?
Jorgina – Não, pode ir a leilão. Eu acho que tem que ir a leilão, sim. Mas por valor justo, porque a sociedade exige a reposição desse suposto – suposto, não – desse prejuízo. Não pode é ser vendido a preço de banana como eles querem fazer.

ISTOÉ – O que está acontecendo?
Jorgina – Não sei. É uma boa pergunta, por isso os meus advogados estão entrando com um pedido de avaliação (dos imóveis) para que sejam vendidos por um preço justo. A Previdência Social diz que saiu no prejuízo, se coloca acima do bem e do mal, e como é que se explica uma avaliação tão baixa? Veja, por exemplo, a casa de Petrópolis, um terreno imenso que pertenceu ao presidente-general Eurico Gaspar Dutra. É, inclusive, um imóvel histórico. Como pode ter sido avaliado por R$ 800 mil? Rá! Isso é uma piada! Esse imóvel, por baixo, está valendo R$ 5 milhões ou R$ 6 milhões.

ISTOÉ – Parece que a sra. quer os imóveis de volta.
Jorgina – Não, eu não quero. Eu não sei, por exemplo, quanto eles receberam de aluguel, eu não tenho a prestação de conta dos imóveis, eu não tenho nada disso. Eu não sei sobre os valores arrecadados no Exterior. Eu não vejo nada disso nos autos do sequestro. Não está lá. Nem no meu processo nem nos dos outros réus. A grande pergunta é: os outros bens que foram arrecadados (de outros réus) foram a leilão por um preço justo ou por um preço vil? O que existe por trás disso?

ISTOÉ – O que existe?
Jorgina – Só estão divulgando (o leilão) em cima da hora. Por que não está publicado? Existem grupos especializados em arrematar por preço irrisório, é tudo profissional. A técnica é a seguinte: se nada é vendido no leilão de primeira praça, que tem lance mínimo, vai à segunda e, aí, vende por qualquer preço. Isso aqui é Brasil... Na primeira praça não deve sair, mas sai na segunda. Por quanto?

ISTOÉ – O que a sra. está sugerindo?
Jorgina – Eu acho que a Previdência tem estrutura suficiente para vender os imóveis a preço de mercado. Por que têm que ir a leilão? (eleva o tom de voz). Já fui muito usada e não estou mais disposta a me deixar ser usada. É do povo, é da sociedade, então que se venda da melhor maneira possível.


ISTOÉ – A sra. é apontada como a chefe de uma quadrilha que roubou o patrimônio do trabalhador. Está acontecendo isso de novo por outras vias?
Jorgina – Claro que está. O roubo na Previdência só mudou de mãos. A partir do momento que eles disseram que nós lesamos e tentam vender esses bens por valores irrisórios, estão lesando do mesmo jeito. O roubo na Previdência não acabou.

ISTOÉ – Já que a sra. não quer os imóveis de volta, por que o interesse em reclamar do leilão?
Jorgina – Porque é o seguinte: eles me chamam de fraudadora e quem está fraudando agora? Só isso.

ISTOÉ – Quanto maior a avaliação desse patrimônio, melhor para a sra.
Jorgina – Claro, porque abate a minha dívida.

ISTOÉ – A sra. reconhece sua dívida em R$ 200 milhões?
Jorgina – Não. Eu não admito de jeito nenhum. Inclusive, tem que ver como fizeram as correções para chegar a esse número. Por que na hora de cobrar de mim eles elevam os índices astronomicamente?

ISTOÉ – Os valores que foram sequestrados da sra. não foram corrigidos?
Jorgina – Não. E eu também não sei quanto foi porque não consta dos autos do sequestro (de bens). Não há nada com relação a esse dinheiro. Eu quero saber quanto estou devendo. Eu não sei. Se a dívida é solidária (todos os réus são responsáveis juntos), já arrecadaram o suficiente.

ISTOÉ – A sra. acha que deve quanto?
Jorgina – Eu, sinceramente, perdi a noção do valor, porque são 20 anos. E a moeda passou de milhões para tostões.

ISTOÉ – Como está sua situação financeira hoje?
Jorgina –Acham que estou arquimilionária. É porque eles somam tudo dos outros (réus) e botam na minha conta. Agora, tudo que eu tenho está registrado, está arrecadado. É o que eu tenho. Quando eu reclamo, dizem: ah, tá escondendo o jogo, tá dando uma de pobrezinha. Mas, realmente, eu não tenho mais condições financeiras. É só acompanhar a minha vida. Eu convido a população a acompanhar minha vida.


ISTOÉ – A sra. está pobre?
Jorgina – Sou pobre, ando de ônibus, mas as pessoas pensam que sou rica e por isso eu tenho medo de ser sequestrada.

ISTOÉ – Como foi sua vida na prisão?
Jorgina – Eu fiquei quase 13 anos presa. A pena era de 12 anos. Nesse período, trabalhei de 2002 até o último dia, e não foram abatidas minhas remissões (para cada 30 dias de trabalho na cadeia, sete dias de desconto na pena). Outras presidiárias saíam, ganhavam prisão aberta ou só faziam pernoite na cadeia. Eu passei na Universidade Federal do Rio de Janeiro e eles não me deixaram sair para fazer a faculdade de pedagogia porque, alegaram, eu já tinha curso superior. Me senti injustiçada lá, sem direito de defesa.

ISTOÉ – Seu nome virou símbolo de fraude. Como se sente?
Jorgina – Eu me sinto muito mal, me sinto impotente. O Estado é uma instituição que visa ao benefício do povo. É um contrato social, no qual quem viola as regras paga. Mas todos têm direitos e deveres. Eu só tive dever, dever, dever.

ISTOÉ – A sra. foi mais prejudicada do que os outros réus?
Jorgina – Totalmente. Fui usada como bode expiatório. Foi um processo político. Esse é o grande problema. Num estado democrático de direito, não se pode usar a razão de Estado para punir ninguém, porque você viola o contrato social. A lei tem que prevalecer para todo mundo em pé de igualdade. Tive meus direitos violados.

ISTOÉ –O que a sra. quer agora?
Jorgina – Quero que meus imóveis sejam vendidos por um preço justo para pagar minha dívida. E quero que deem publicidade ao leilão para que todos possam participar, e não apenas um grupinho fechado. A lei prevê que o leilão pode ser online para que uma pessoa lá do Acre ou do Amapá possa participar, e não apenas uns poucos aqui.


ISTOÉ – A sra. está conseguindo refazer sua vida?
Jorgina – Está muito difícil. Tem a limitação da idade, eu cumpri a pena inteira e não apenas um terço, como outros. Estou com problemas de saúde (hipertensa) em função do tempo de prisão. E, emocionalmente, estou arrasada.


ISTOÉ – O que mais influenciou no processo contra a sra.?
Jorgina – É porque sou negra. Sou bisneta de escravos e tenho o maior orgulho disso. Mas o fato de eu ser negra contribuiu para todo esse estereótipo que eles fizeram da fraudadora. A cor da pele influenciou. É só ver quem foi condenado e quem ficou de fora.


ISTOÉ – Sua fuga a prejudicou no processo?
Jorgina – É verdade, mas eu pedi garantias de vida porque fui ameaçada de morte e meus filhos, de sequestro. E eu estava com câncer (de mama). Imaginou uma pessoa com câncer, fazendo quimioterapia num presídio? Tudo isso eu enfrentei. A fuga estava no contexto. Eu não fugi para sair do processo, tanto que peticionava da Costa Rica para cá no tribunal (do Rio).


ISTOÉ – A sra. contou com a ajuda de mercenários para permanecer cinco anos foragida?
Jorgina – Pelo amor de Deus! Quando cheguei aqui no Brasil, vi que me envolveram com cartel de traficante internacional! Um absurdo! (Ela se levanta e termina a entrevista. Antes, solicita: “Não me chama de fraudadora. Já cumpri minha pena.”)

Revista Isto É (16-04-2011)














































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