Postura preocupa Comissão Pastoral da Terra, que teme o fortalecimento da corrente que nega a existência da situação, mesmo com mais de 30 mil libertações no governo Lula
Rede Brasil Atual
São Paulo – O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, ainda não assinou a Carta-compromisso contra o Trabalho Escravo. O documento foi lançado pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e visa a que os futuros governantes assumam um compromisso com a questão.
A adversária Dilma Rousseff (PT) firmou a carta já no primeiro turno, comprometendo-se, por exemplo, a empenhar-se na efetiva implementação do 2º Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Além disso, o político que assume o compromisso afirma renunciar ao mandato caso seja flagrado trabalho degradante em alguma terra de sua propriedade e exonerar imediatamente qualquer servidor envolvido com problemas do gênero.
O silêncio de Serra aumenta ainda mais a preocupação das entidades que lutam contra este mal. A escravidão moderna foi reconhecida pelo Brasil em 1995 e, desde então, vêm sendo aprimorados os instrumentos de combate. Dos 37 mil trabalhadores resgatados neste período, pouco mais de 30 mil o foram de 2003 em diante.
O arco de alianças do candidato tucano, por si, já gerava preocupação entre as entidades que lutam pelo respeito da dignidade humana. O aliado histórico do PSDB é o DEM, que abriga boa parte do empresariado rural que, até hoje, nega a existência do trabalho escravo. Para alguns integrantes da sigla, as fiscalizações se apegam a detalhes para efetuar prisões. A maior porta-voz desta bancada, a senadora Kátia Abreu, chegou a ser fortemente cotada como vice na chapa de Serra.
Frei Xavier Plassat, coordenador da campanha contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lamenta que o tucano não tenha assinado o compromisso e vislumbra uma situação difícil em um eventual governo PSDB-DEM: “Vai ser complicado demais. Vai voltar a atitude de negacionismo, fingir que não é, o que é típico do discurso da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, comandada pela senadora). Teremos de entrar em resistência e usar todos os instrumentos disponíveis, inclusive os instrumentos internacionais.” O Brasil é signatário de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho escravo, podendo ser submetido ao sistema internacional de justiça caso descumpra as medidas.
Futuros avanços
A CPT reconhece os avanços obtidos nos últimos oito anos, em especial no trabalho de fiscalização do trabalho escravo. Mas, como muitas outras entidades, entende que falta trabalhar melhor a questão da prevenção, evitando a existência de grupos vulneráveis a cair nas mãos dos “gatos”, os aliciadores de mão de obra escrava.
Há casos em que uma pessoa, após resgatada, acaba se entregando novamente aos “gatos” por não ter perspectiva de encontrar um trabalho melhor. A avaliação é de que a situação só muda com o aprofundamento da reforma agrária, vista como ponto frágil do governo Lula no que diz respeito ao setor rural. “A gente continua vendo um processo de precarização de populações rurais que leva a um êxodo acentuado, a uma migração de risco. Não podemos nos satisfazer com isso. A questão não é só de linha de financiamento, mas de desenvolver um setor produtivo que satisfaça as condições do país”, comenta Plassat, que entende que o Brasil já teria erradicado o trabalho escravo com uma efetiva reforma agrária.
“Se for confirmada Dilma como presidente, teria condições de restaurar essa prioridade com várias ações transversais de governo. Fortalecer o que está dando certo, como a Lista Suja, que precisa ser confirmada e transformada em lei para não ser novamente questionada”, afirma. A Lista Suja foi criada em 2004 pelo Ministério do Trabalho como forma de combater os empresários que utilizam trabalho escravo. Aqueles que são incluídos na relação, além de sofrerem um enorme constrangimento, perdem acesso a linhas de financiamento.
PEC 438
Outra expectativa daqueles que lutam por justiça no campo é aprovar, no começo da próxima legislatura do Congresso, a Proposta de Emenda à Constituição 438, que prevê a imediata expropriação, para fins de reforma agrária, da terra na qual seja flagrado trabalho escravo. A PEC chegou a ser aprovada no Senado e em 1º turno na Câmara no início do governo Lula, mas desde 2004 aguarda pela segunda votação entre os deputados.
A resistência, à época e nos anos seguintes, foi comandada exatamente por Kátia Abreu, que entende que a medida traz insegurança para o agronegócio. A senadora avalia que os produtores poderiam ficar “reféns” de agentes de fiscalização que cometem abusos.
“Enquanto este setor da CNA mantiver uma postura de espalhar a dúvida sobre o caráter central e necessário dessa luta, ao mesmo tempo que seus aliados políticos espalham a dúvida no que diz respeito aos direitos humanos, temos uma preocupação ainda maior. É só ver como os direitos humanos são combatidos durante esta campanha eleitoral”, lamenta Frei Xavier.
A assessoria do candidato do PSDB à presidência foi procurada e não respondeu até às 12h25 desta terça-feira.
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